domingo, 12 de junho de 2011

Sêneca (4 a.C.—65 d.C.) - filósofo romano


“As despesas de ordem literária, as mais justas de todas, não são estas mesmas razoáveis, a não ser que sejam moderadas. Para que servem inúmeros livros e bibliotecas, se o proprietário encontra apenas o tempo em sua vida para ler as etiquetas? Uma profusão de leituras sobrecarrega o espírito, mas não o ilustra; e melhor seria aplicar-se muito a um pequeno número de autores do que vagar no meio de muitos. Quarenta mil volumes foram queimados em Alexandria. Quantos outros exaltam este esplêndido monumento da magnificência real, como Tito Lívio, que o chama a obra-prima do gosto e da solicitude dos reis. Eu não vejo lá nem gosto nem solicitude, mas orgia da literatura; e quando digo da literatura minto, pois o cuidado pelas letras lá não era cultivado: aquelas belas coleções só eram constituídas para amostra. Quantas pessoas desprovidas da mais elementar cultura têm também livros, que não são de modo algum instrumentos de estudo, mas que adornam suas salas de refeições! Compremos os livros dos quais temos necessidade, não os compremos para ostentação.
É mais moral, dizes tu, assim gastar seu dinheiro, em lugar de desperdiçá-lo em vasos de Corinto e em quadros. Há vício desde que haja excesso. Por que esta indulgência para um homem que coleciona armários de cidreira e de marfim, que compra obras completas de autores desconhecidos ou medíocres, para bocejar no meio de tantos milhares de volumes, não aproveitando de seus livros a não ser as encadernações e os títulos? Eis como verás em casa dos mais insignes preguiçosos toda a coleção de oradores e de historiadores e estantes para livros construídas até o teto: pois hoje em dia, ao lado dos banhos nas termas, a biblioteca tornou-se um ornamento obrigatório de toda casa que se preza. Eu perdoaria perfeitamente esta mania, se ela nascesse de um excesso de amor ao trabalho; mas estas obras sagradas, dos mais raros gênios da humanidade, com as estátuas de seus autores, que assinalam sua classificação, são adquiridas para serem vistas e para decorarem as paredes.”

“Assim devemos aplicar-nos a não considerar odiosos, mas ridículos, os vícios dos homens e a imitar Demócrito antes que Heráclito: este não podia aparecer em público sem chorar, o outro sem rir, um não via a não ser a miséria em todas as ações dos homens, o outro só tolices. Aceitemos, pois, todas as coisas superficialmente e suportemo-las com bom humor: pois está mais em conformidade com a natureza humana rir-se da existência do que lamentar-se dela.”

“É preciso freqüentemente reconhecermo-nos em nós mesmos: pois a relação com as pessoas diferentes demais de nós perturba nosso equilíbrio, desperta nossas paixões, irrita nossas restantes fraquezas e nossas chagas ainda não completamente curadas. Misturemos, todavia, as duas coisas: alternemos a solidão e o mundo. A solidão nos fará desejar a sociedade e esta nos reconduzirá novamente a nós mesmos; elas serão antídotos, uma à outra: a solidão, curando nosso horror à multidão, e a multidão, curando nossa aversão a solidão.”

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